Além de microcefalia e Guillain-Barré, zika pode estar associado a outra doença neurológica
Foto:
MARVIN RECINOS / AFP
Além da microcefalia e da síndrome de Guillain-Barré, o vírus zika
pode estar associado a mais uma doença neurológica: a encefalomielite
aguda disseminada (ADEM, na sigla em inglês), síndrome autoimune que
causa inflamação no sistema nervoso central.
Um estudo feito no
Recife e que será divulgado na sexta-feira no encontro anual da Academia
Americana de Neurologia, em Vancouver, no Canadá, encontrou evidências
de associação entre o vírus e a ADEM em pelo menos dois casos.
Cientistas
já desconfiavam de uma conexão entre o zika e a ADEM, conforme mostrou o
jornal O Estado de S. Paulo em fevereiro. Mas só agora serão
apresentados os resultados científicos do estudo liderado por Maria
Lucia Brito Ferreira, chefe do Serviço de Neurologia do Hospital da
Restauração, no Recife.
– Embora seja um estudo pequeno, ele pode
fornecer evidências de que o vírus causa no cérebro efeitos diferentes
daqueles que haviam sido identificados nos estudos em curso. Mas muita
pesquisa ainda terá de ser feita para explorar se há uma relação causal
entre o zika e esses problemas cerebrais – disse Maria Lúcia.
No
estudo os cientistas acompanharam, entre dezembro de 2014 e junho de
2015, todos os casos que chegaram ao Hospital da Restauração com
sintomas de infecção por arbovírus - a família de vírus que inclui zika,
dengue e chikungunya.
Todos os pacientes estudados chegaram ao
hospital com febre e erupções na pele. Alguns também apresentavam
coceiras, dores em músculos e articulações, além de olhos vermelhos.
Alguns tiveram sintomas neurológicos logo em seguida e outros os
apresentaram cerca de 15 dias depois.
Os autores registraram 151
casos com algum tipo de manifestação neurológica, mas seis deles
desenvolveram sintomas neurológicos típicos de doenças autoimunes –
aquelas nas quais o sistema imunológico do paciente ataca e destrói
células de tecidos saudáveis de seu próprio organismo.
Os seis
pacientes foram submetidos a exames e testes sanguíneos. Quatro
apresentavam a síndrome de Guillain-Barré que, assim como a
microcefalia, tem sido associada à infecção por zika. Outros dois foram
diagnosticados com ADEM. Os testes revelaram que os seis já haviam sido
infectados por zika, mas nenhum deles por dengue ou chikungunya.
Nos
pacientes com ADEM, segundo os especialistas, as células de defesa do
organismo no cérebro e na medula espinhal atacam a bainha de mielina,
uma cobertura de gordura que envolve as fibras nervosas e tem função
semelhante à da capa de um fio condutor de eletricidade. A síndrome de
Guillain-Barré também é autoimune e envolve danos à bainha de mielina.
Nos
dois casos registrados, as tomografias do cérebro mostraram que os
pacientes com ADEM tinham sinais de danos na matéria branca cerebral.
Segundo os cientistas, os sintomas são semelhantes aos de uma esclerose
múltipla, mas em geral a ADEM provoca um único ataque do qual a maior
parte dos pacientes se recupera em cerca de seis meses.
Quando
tiveram alta do hospital, cinco dos seis pacientes continuavam com
problemas motores. Um teve problemas de visão e outro apresentou
problemas de memória e de capacidade de raciocínio.– Isso não
quer dizer que todas as pessoas infectadas com o zika terão esse tipo de
problema cerebral. Daqueles que apresentaram problemas no sistema
nervoso, a maior parte não tem sintomas cerebrais. No entanto, nosso
estudo pode ajudar a esclarecer possíveis efeitos duradouros com os
quais o vírus pode estar associado no cérebro – disse Maria Lúcia.
–
Neste momento, não parece que os casos de ADEM estejam ocorrendo com
uma incidência tão grande como a dos casos de Guillain-Barré, mas essas
descobertas feitas no Brasil sugerem que os médicos devem ficar
vigilantes quanto à possível ocorrência de ADEM e de outras doenças
autoimunes relacionadas ao sistema nervoso central – disse James Sejvar,
do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês)
de Atlanta, nos EUA.
– A questão é: por que o vírus zika parece
ter essa forte associação com a síndrome de Guillain-Barré e,
potencialmente, com outras doenças autoimunes e inflamatórias do sistema
nervoso? – questionou Sejvar.
Jornal O Estado de S. Paulo.
Jornal O Estado de S. Paulo.
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